sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Travessura

O garoto nunca mentia para a sua mãe. Com frequência ele aprontava na escola. Faltas leves, até criativas. E a cada anotação de um professor em sua agenda, era um desabafo de contrariedade. “Ah, não, vou ter de contar para minha mãe...” Era de sua índole admitir suas culpas, às vezes até exageradamente. A mãe, por outro lado, irritava-se com a série de estripulias do menino levado, mas honesto. Porém, sempre em seguida a uma reclamação particular, ela o defendia em público. Não permitia que o estereotipassem, como mãe, e também porque conhecia suas qualidades. Talvez ela intuísse alguma razão oculta, uma fraqueza enviesada na direção de uma necessidade de aparecer, justamente para não descobrirem uma dificuldade de relacionamento. Sentia-se, possivelmente, culpada por uma falha, por uma desatenção qualquer. Uma vez, após ele ter jogado da escola uma casca de mixirica no quintal do vizinho, junto com seus amigos, foi punido sozinho. Desta vez a mãe se cansara. Um pouco em função das dificuldades da rotina, que põe os nervos à flor da pele. Bateu-lhe firme, não com violência. O suficiente para deixá-lo magoado. Horas depois, ela foi ao seu quarto, onde permanecia deitado, no escuro, ouvindo um jogo do Corinthians no rádio da cabeceira. Inerte, ele apenas moveu o olhar para avistar o contorno de seu corpo, aureado na luz coada pela fresta da porta. Ela lhe pediu perdão. E perguntou se ainda a amava. Ele respondeu que sim, e muito. Sentimento que, junto com a gratidão, perdurará pelo resto de seus dias. Afinal, ele não poderia mentir para sua mãe.

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