sexta-feira, 13 de maio de 2011

Estima

Entrou assustado no fim-de-semana. Dirigia pela rua, a caminho do lar, e enquanto a noite caía lá fora, sentia como uma ameaça ficar dois dias sem trabalhar. Voltou para casa, encontrou seus filhos e sua esposa, não conseguiu ficar sozinho em frente à TV. Eram gritos de todos os lados, algumas cobranças que o incomodavam. Falta de afeto e palavras desafiadoras o desanimavam. Esse enredo se repetia. Pediu uma pizza. Tomou um banho, jantou e foi dormir um sono tranquilo, que só temperaria a sua vida adormecida. Na meia-vigília lembrou que ele não era Clarice Lispector, nem Raymond Chandler. Conformou-se em ser um escritor medíocre, que redigia sem se transportar. Era um escritor deveras são, sem imaginação, ávido por uma alucinação, que teimava em não emergir de sua sombra morta. De repente acordou de um salto. A esposa ao lado tinha curvas que o remetiam às montanhas e paisagens sinuosas da Califórnia de Chandler. Seus olhos eram límpidos como a luz dos letreiros de Los Angeles. Seu sorriso, nos bons momentos, estampava a alegria de Lispcetor inspirada, como uma flor que se abre para a vida. A manhã se fez por entre as frestas da janela. Ele se levantou revigorado, agradecido. Tomou um banho. Passou o indicador no vidro evaporado e redigiu então suas primeiras palavras em meses. “Eu me amo”. Pronto, abriu a porta para o ar refrescante e saiu para comprar pão para as crianças. Em vez da queixa, a esperança. A partir daquelas palavras, não importava o que acontecesse, ele estava pronto para continuar a escrever a sua própria história. Estava até preparado para ouvir, sem irritação, a bronca da mulher quando chegasse em casa. “Por que você não escreveu eu te amo?”

Nenhum comentário:

Postar um comentário