quinta-feira, 5 de maio de 2011

Juramento

Há muitos médicos que mancham a pureza da roupa branca. A moda para eles é a ambição, os compromissos, os negócios que fazem com a profissão. Sentem-se incomodados quando um paciente adentra no corredor do hospital, aflito. Os consideram inoportunos e hipocondríacos. Quando estes pacientes telefonam em horário inapropriado, então, nem se fala. “Agora estou em um compromisso social”, disse um deles, desligando na cara da esposa de um senhor com câncer. Do juramento de Hipócrates e na tradição de Asclépio, emana a necessidade da compreensão da essência humana acima de tudo. A doença, ou a ameaça dela, afinal, pode fazer fortalezas humanas sucumbirem diante da dor. Ao médico cabe acolher os vulneráveis, os colocando acima até de seus interesses pessoais, da pressa cotidiana, das dificuldades da profissão. O chavão “já não há mais médicos como antigamente” está cada vez mais adequado aos tempos atuais. Meu pai era médico. Ele não era assim. Atendia com humildade. Cometia deslizes, mas, introspectivo que era, remoía-se em remorsos diante do mais ínfimo erro e tentava aprender com ele. Como se seus deslizes fossem seus pacientes. Ele era um médico de família, função rara hoje em dia, principalmente de famílias pobres. Meu pai era um verdadeiro médico. Um médico compreensivo, humano, tolerante com a dor alheia. Ele ouvia atentamente as queixas, franzia o cenho de tanta concentração. Não ficou rico com isso. Mas partiu com honra, sem macular a roupa branca. Meu pai era um médico dos bons. Ele era um médico paciente.

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