sexta-feira, 20 de maio de 2011

Janela

Daquela janela, na infância, o som do trem por entre os prédios o intrigava. A noite era misteriosa naquele apartamento nos Campos Elíseos. Ele via um mar de prédios, observava movimentações nas janelas, sentia o palpitar da rua adormecida lá embaixo, com o resto dos transeuntes finalizando mais um dia. Seus enigmas e seus sustos eram grandes em frente à paisagem urbana que se estendia até as montanhas da Zona Norte. Diante novamente daquele painel, muitos anos depois, ele sentiu saudade daquele medo e reconfortado por ter evoluído em suas respostas desde então. A vista continuava lá, intacta, e carregava algo intenso. Era uma espécie de nostalgia diante do que gostaria de ter sido e compaixão pelo que foi. Percebeu um pouco de seu filho e de sua doçura infantil se misturarem a estes sentimentos. Gostou ainda mais de si e da criança. Sua tia tinha envelhecido, mas ainda estava lá, morando naquele apartamento. Ele já não podia se envolver àquele cenário como antes. Parecia estar distante. Queria voltar no tempo, mas também andar para frente. Tinha medo de que tudo aquilo se encerrasse de repente, quando sua tia já não estiver mais por lá. Pensou no seu filho, na vida e na morte, na infância e na fase adulta, nas dificuldades que a vida apresenta a cada instante, representada na vastidão daquele horizonte urbano. Até a concretude daqueles prédios cinzentos parecia ser efêmera. Então o ruído de trem, vindo da Sorocabana, cortou a noite e ele teve prazer em voltar a sentir aquele susto de menino.

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